D. AFONSO SANCHES FUNDADOR, GOVERNANTE E TROVADOR

D. Afonso Sanches financiou não só a magnífica igreja gótica do Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde (em largas redondezas, durante séculos, não se conheceu outra semelhante em arte e vastidão), mas ainda as obras do mosteiro propriamente dito, isto é, dos edifícios de habitação das freiras. Além disso, dotou o mesmo mosteiro generosamente, para que as Clarissas não passassem privações. Tão generosamente que precisou inclusive de pedir autorização ao Papa para o fazer. A sua generosidade teve efeitos vários e duradouros.
Como é sabido, desde 1723, está em Roma o seu processo de beatificação e canonização; o seu e o da sua esposa. Todavia, ao menos em determinados momentos, a sua vida não terá sido moralmente exemplar. Mas veremos isso melhor, adiante.

D. Afonso Sanches era filho bastardo de D. Dinis e nasceu em 1289, ainda antes do casamento do Rei com a Rainha Santa Isabel. Chamou-se a sua mãe Aldonça Rodrigues de Telha.
D. Dinis, confiando nas excelentes virtudes da esposa, colocou debaixo da sua tutela D. Afonso Sanches e outros seis filhos bastardos, que passaram a viver no Paço em companhia dos dois legítimos, recebendo todos igual tratamento e educação.
Nestas condições percebe-se já que, não havendo perante o Rei distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, D. Afonso Sanches se pudesse ter tornado o predilecto do monarca. A sua índole e acaso a sua bastardia tê-lo-ão levado a tornar-se executor fiel das políticas do pai, que lhe entregou o importantíssimo cargo de mordomo-mor do reino, o que o fazia uma espécie de primeiro-ministro, para grande escândalo do colérico príncipe herdeiro, o futuro D. Afonso IV.

Cronologia

D. Afonso Sanches foi uma figura proeminente no seu tempo, tendo estado no centro de muitos dos acontecimentos mais relevantes que durante 15 anos afligiram o reino e que nalguns momentos degeneram em guerra. Veja-se como isso se passou numa breve cronologia, onde se assinalam quer as datas mais marcantes da sua vida pessoal quer da vida política do seu tempo.

1289 – Nasce D. Afonso Sanches.
1291 – Nasce o príncipe D. Afonso, primeiro filho legítimo do Rei, futuro D. Afonso IV.
1298 – João Afonso de Albuquerque, pai da futura esposa de D. Afonso Sanches, é feito Conde de Barcelos.
1304 – Casamento de D. Afonso Sanches com Teresa Martins.
1309 – Casamento do Príncipe herdeiro.
1312 – Sentença de D. Dinis sobre os direitos dos dois herdeiros do conde João Afonso de Albuquerque: Martim Gil herda o título de Conde de Barcelos, mas D. Afonso Sanches fica com a maior parte da fortuna, isto é, o senhorio e castelo de Albuquerque, o que o torna um homem abastado.
Morre Martim Gil (Novembro).
1314 – D. Afonso Sanches torna-se mordomo da coroa, espécie de primeiro-ministro. Isto virá provocar os ciúmes do Príncipe herdeiro, que pensa que D. Dinis o quer deserdar em favor do bastardo.
Pedro Afonso, outro bastardo de D. Dinis, é feito Conde de Barcelos (é o último trovador, o dos Livros de Linhagens…)
1317 – O Conde de Barcelos é feito alferes-mor; em auxílio do Príncipe herdeiro, chefia um combate contra os partidários de D. Afonso Sanches. É exilado para Castela.
A Rainha Santa constrói o Mosteiro de Santa Clara de Coimbra.
1318 – No regresso duma peregrinação a S. Tiago de Compostela, em que participara também o Rei, com grande séquito, D. Afonso Sanches funda em Vila do Conde o Mosteiro de Santa Clara.
1319-24 – Guerra civil do Príncipe herdeiro contra o seu pai, em grande parte por causa de D. Afonso Sanches.
1319 – O Príncipe exige a entrega da “Justiça do Reino” (o que lhe daria quase poder régio).
1320 – 1 de Julho: 1º manifesto de D. Dinis contra o Príncipe herdeiro, em Santarém.
1321 – Março: os partidários do Príncipe herdeiro matam o bispo de Évora, que deveria proclamar a excomunhão contra os partidários do mesmo Príncipe.
15 de Maio: 2º manifesto do Rei, em Lisboa.
17 de Dezembro: 3º manifesto, em Lisboa.
Dezembro: o Príncipe herdeiro apodera-se de Coimbra; a seguir, de Montemor-o-Velho, Feira, V. N. de Gaia e Porto. Ataca Guimarães.
1322 – Março: o Rei avança sobre Coimbra. D. Afonso Sanches exila-se para Albuquerque[1].
1323 – Outubro: cortes em Lisboa a pedido do Príncipe.
Sem atingir os seus intentos, tenta conquistar Lisboa, mas faz-se a paz em Loures, com a intervenção da Rainha.
1324 – Novo combate entre o Rei e o Príncipe, em Santarém.
26 de Fevereiro: o Rei compromete-se a retirar o cargo de mordomo-mor a D. Afonso Sanches.
31 de Dezembro: último testamento do Rei.
1325 – 7 de Janeiro: morre D. Dinis.
D. Afonso IV proclama as mais graves acusações contra D. Afonso Sanches. Condena-o a desterro perpétuo e à perda de todos os seus haveres.
1326 – D. Afonso Sanches, com o auxílio do príncipe Filipe de Castela e de seu próprio filho João Afonso de Albuquerque (que era um homem poderoso), pega em armas contra D. Afonso IV. Faz-se a paz e são restituídos a D. Afonso Sanches os seus domínios de Medelim e Albuquerque.
1329 – Morre D. Afonso Sanches, com 40 anos, em Albuquerque, sendo mais tarde os seus restos trazidos para Vila do Conde.
1350 ou 1351 – morre a sua esposa Teresa Martins.
1723 – Inicia-se o processo de beatificação.


Os bens de D. Afonso Sanches nas proximidades de Vila do Conde

Os bens que D. Afonso Sanches possuía no nosso Arciprestado, e que quase na totalidade doou ao Mosteiro de Santa Clara, eram herança da sua esposa. Chamava-se ela Teresa Martins e era descendente longínqua de D. Maria Pais Ribeiro, ou Ribeirinha, a tristemente célebre amante de Sancho I, a quem este rei, em 1209, doara Vila do Conde. Mas D. Maria Pais Ribeiro teve por cá mais bens, nomeadamente em Regufe (Póvoa de Varzim) e Mata (Touguinha).
Em 1312, D. Dinis deu a D. Afonso Sanches a Póvoa de Varzim (“Varazim de Jusão”).

Em 1318, pôde ele doar ao Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde, entre outras, as seguintes propriedades: “as nossas vilas que chamam Póvoa de Varzim, e todas as nossas herdades e Touguinha, Beiriz, Terroso, Formariz, Laundos, Navais, e Mirante (lugar de Touguinhó) com casais, herdades e possessões que às ditas vilas e lugares pertencem”. Isto era certamente fortuna assinalável.




[1] Vi duas datas diferentes para a partida de Afonso Sanches para o exílio, 1322 e 1324. Verdade seja que esta última parece mais aceitável. Albuquerque, que fica um pouco a norte de Badajoz, era então território português.

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